terça-feira, 28 de abril de 2015

Da noite em que fui à locadora



Eu vi muita coisa nessa minha ida à locadora.
Vi um gato morto na rua 24, perto do centro.
Vi um sapo no portão de casa, quase dentro.
Vi uma das minhas cachorras devorar o travesseirinho da outra, sei lá se por divertimento.

Dentro de casa, de volta, vi o beijo da sexta, confundir-se com o do sábado.
E o prazer do passado calar a boca da saliva de tanto desejo.
Não era desejo.
Até ser experimentado.
Hoje essa angústia, essa paralisação da sensação dos batimentos.
Não poderia ser mais duro.
Uma ausência sem precedência. Eu segurei os pensamentos na sexta, segurei o ar, a barriga, a pessoa inteira. Por um momento de paz.
Beleza jovem, 20 anos. Moço de tudo. Cadê teus olhos de pêssego suave? Será que devorados pela saudade, não mais me encontrarão na saída de casa?
Onde estão suas asas? A bater por outras bandas? Por outras baterias?
Eu até que iria...
De novo, nesse seu envolvimento racionamento.
Me racionou em três. Em três racionados, esses três mal tratados.

Um já não mais me levava até a cabeceira da moto. Já não mais me levava em silêncio no peito, não mais me botava pra dormir.
Eu senti de não ter efeito.
Você bem que poderia me juntar novamente.
Por você, eu saberia derramar mel de bondade no passado seu. No filho teu.

Mas há um beijo a mais.
Um beijo notório, satisfatório.
Presença aguda, sabor contente. O que há demais num beijo dado ao som das estrelas?
Elas falaram com a gente. Sim, cantaram...
E nos revelaram uma lua em crescimento.
Algum barulho aconteceu na porta.
Você me soltou.
Eu, que sou tão frágil. Eu, que nada sei, nada sigo. Eu, que assim como quem rasga o peito a céu aberto, voando pelas casas, abri minha casa para você... Eu, que assim como sou, sou tão eu...
E você me soltou, me virou as costas, entrou no carro, e saiu, como quem sai de qualquer canto, pra qualquer outro.
Você... que não me levou junto. Que não me carregou no presente. Você que só me deu passado. Você, que hoje me pergunta das minhas cinzas, vai dizer que o teu céu é o que mais brilha?

Estou eu, fracionada agora. Dividida, racionada. 
Que cada um tome a sua parte, e deixe eu, com as minhas.
As minhas, que nessa minha ida à locadora, pôde ver tantas coisas... 
...minhas.
E como eu vi coisas nesses vinte minutos de ida à locadora.
Poderia contar uma estória.
Poderia pôr em pratos limpos!
Poderia nem me importar.
Ou... poderia?



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