Por esses dias, estava voltando do meu serviço quando me deparei com um cachorro estendido quase que no meio da rua. Sabe esses cães de beira de boteco, pequeno, branco com manchas pretas, com um pêlo bem velhinho? Pois é, o cão da nossa história é assim.
Eu (com certeza) não pararia se fossem outros tempos. Mas tenho mudado muitas atitudes. Atitudes que considero erradas, egoístas ou desagradáveis. Eu teria dó, como tive, mas seguiria em frente. O que (com certeza também) me traria muito sofrimento, pois me arrependeria de não ter ficado e ajudado de alguma forma.
Pois bem. Eu não segui meu trajeto.
Eu fiquei e observei-o por um tempo. Sabia que esse era o começo da minha nova atitude tomada. Mas não podia ficar ali sem fazer nada por muito tempo. Perguntei a um motorista parado na calçada do outro lado se o cão havia sido atropelado. Mas ele não sabia ao certo o que tinha acontecido.
A partir daí, uma revolução se iniciou.
De repente, um senhor apareceu para ajudar. Disse que conhecia o cão. E eu conhecia o senhor. Ele já havia viajado junto comigo. E ali mesmo, quase no meio da rua, ele massageou toda a região em volta da barriga do cachorro. Tiramo-lo dali e o colocamos na calçada.
Uma moça com uma garotinha surgiu do nada e perguntou se ele havia sido atropelado. A mesma pergunta que eu havia feito antes! E ela obteve a mesma resposta que eu também: não sabemos ao certo o que aconteceu...
Uma mulher parou o carro e veio até onde estávamos para saber o porquê de uma aglomeraçãozinha perto da rodoviária. E deu de cara com um cachorro indefeso estendido no chão e um senhor lhe massageando a barriga em busca da sua alma.
Logo depois, um rapaz apareceu e ficou observando a cena.
E o senhor, não parava de massagear!
Num determinado momento, o senhor que havia nos dito que o cão devia estar apenas com uma convulsão, disse dessa vez que se déssemos água ao animal ele melhoraria. E não é que a moça com uma garotinha estava com uma garrafa d’água (dessas de 500 ml) na mão! O cão bebeu um pouco da água que empurramos à força goela a dentro...
Conversa daqui, palpite de lá, o senhor achou melhor cobrir o cão com jornal para não passar frio. E assim, ele foi.
Enquanto isso a grã-fina do carro pegou uma agenda e um celular e começou a telefonar atrás de algum veterinário. O rapaz que havia se aproximado e até então, só vinha observando a situação se agachou e continuou a fazer os mesmos movimentos que o senhor estava fazendo antes de ir buscar os jornais. Nessa altura do campeonato, a moça com a garotinha já havia ido embora, levando pela mão a menina que ficava perguntando: ele vai morrer? Ele vai morrer?
O senhorzinho trouxe os jornais e logo tratamos de acomodar o cão embaixo de uma árvore. Quando estávamos colocando os jornais em cima do bicho, ouvi a grã-fina comentando com a carona do seu carro: - eu colaboro com 10 reais...
Ela não conseguiu falar com veterinário algum, mas se conseguisse, com certeza daria a ideia de fazermos uma “vaquinha” para passar o cão numa consulta. Então, ela me surpreendeu com um gesto nobre. Tirou do banco de trás de seu carro um bolerinho rosa e colocou em cima dos jornais que estavam esquentando o bendito cão. Dessa forma, ele ficaria mais quentinho.
...
Já no terminal, dentro do circular que ia para a minha casa não conseguia mexer a minha mão direita... Foi com ela que agradei quase todo o tempo o cão da rodoviária. Eu a havia lavado, mas ainda estava com aquele cheiro de cachorro molhado. Tenho problemas com mãos sujas. Mais precisamente, as minhas. Faço um ritual praticamente toda noite antes de dormir: escovo os dentes, lavo as mãos, faço xixi, lavo as mãos, bebo água, lavo as mãos. E se por acaso no caminho entre apagar a luz da sala e deitar na minha cama no quarto ao lado, aparecer algum motivo pelo qual eu sinta que minhas mãos precisam ser lavadas... Não tenham dúvidas! Lá estarei eu: lavando as minhas mãos novamente...
Imaginem o quanto foi difícil então, os quase 15 minutos que leva do terminal até a minha casa... Eu já a sentia formigando...
No quarto, com as minhas mãos limpinhas e cheirosinhas pude refletir melhor sobre o que tinha acontecido naquele fim de tarde. Eu mudei uma atitude e consequentemente as pessoas mudaram as delas. Penso no que aconteceria caso eu não parasse... Será que aquela mobilização de ajudar o cão aconteceria independente da minha atitude? Ou será que aconteceu a ajuda ao cão porque eu me mobilizei?
São questões que não serão respondidas por que simplesmente não existem respostas. Como saber o que está reservado atrás das cortinas, se por enquanto o palco é a única coisa que temos? Como saber se haverá 10, 100 ou 1000 pessoas na platéia? Só começando o espetáculo para sabermos!
E por incrível que pareça ser, cada um ali tinha um papel a representar na trama. O senhorzinho e sua massagem angelical, a moça com a garotinha e sua garrafa d’água, a grã-fina com seu celular e seu bolerinho rosa, o rapaz e seus olhos de águia e mãos de santo. Eu... Eu não sei o que fiz de bom para aquele cão. Sei que parei e apenas tentei lhe ajudar. A única coisa que pensava enquanto acariciava seus pelos velhos e úmidos era que Deus se compadecesse da sua mísera situação e lhe poupasse a vida.
Mas não sei por quanto tempo mais Deus vai lhe poupar a vida... O cão está com pneumonia. Ele não come, não bebe e só fica deitado num canto perto do ponto dos taxistas. Fiquei sabendo isso dois dias depois em que passei pelo local voltando (como sempre) do meu serviço. Eles haviam internado ele, mas o veterinário disse que não podia fazer mais nada. O cão da rodoviária (da rua, do senhorzinho, meu, seu, nosso) havia tomado muita chuva na vida e sua resistência imunológica já não era tão resistente assim...
Até hoje, não sei se está vivo ou se está morto.
Por isso, darei o meu desfecho.
Ele está vivo... No céu dos cachorros. Lá ele caminha sem se preocupar com carros, moleques e doenças. Nunca sente fome, pois sempre tem comida para lhe satisfazer. Ele tem amigos. Brincam de correr, de se morderem e outras coisas que cães fazem por aí... Enfim, ele seria totalmente feliz...!
Ele está vivo... No céu dos cachorros. Lá ele caminha sem se preocupar com carros, moleques e doenças. Nunca sente fome, pois sempre tem comida para lhe satisfazer. Ele tem amigos. Brincam de correr, de se morderem e outras coisas que cães fazem por aí... Enfim, ele seria totalmente feliz...!
Kisses! Inté!
Amém! Que cada pobre cãozinho de rua tenha um final feliz no seu pós-vidadecão.
ResponderExcluirMerecem muito mais do que muita gente...na verdade merecem muito mais do que a maioria das pessoas. Mas, como dizem os Killers, "this is the world that we live in".
Beijão!